O anjo da harmonia
Gonçalves Dias
Revela tanto amor, tão branda soa
A tua doce voz canora e pura,
Que o homem de a escutar sente no peito
Infiltrar-se-lhe um raio de ventura.
Solta-se a alma das prisões terrenas,
O mundo, a vida, o sofrimento esquece,
E embalada n'um éter deleitoso,
Como Alcion nas águas, adormece!
Da noite a placidez é menos grata
A quem sozinho e taciturno vela,
Quando, perdido n'outros mundos, nota
A meiga luz de fugitiva estrela.
Sensações menos doces, menos vagas,
Desperta o barco leve, que se avista
Ao pôr-do-sol, na extrema do horizonte
Quando n'um mar de luz nos foge à vista.
Das aves o cantar é menos fresco,
É menos triste a fonte que serpeia,
Menos queixoso o mar que enternecido
Beija na praia a cintilante areia.
Vagas na terra, suspiroso arcanjo,
Derramando torrentes de harmonia
Sobre as chagas mortais, - bálsamo santo
Que as mais profundas mágoas alivia.
Vagas na terra, merencória e bela;
Mas quando deste mundo ao céu tornares
Juntarás teus terníssimos acentos
Aos puros sons dos místicos altares.
E os anjos na mansão das harmonias,
Encostados às harpas diamantinas,
Folgarão de te ouvir celestes carmes
Deduzidos em notas peregrinas.
E dirão: - Nunca às plagas do infinito
Subiu mais terna voz, mais fresca e pura!
Se o corpo é de mulher, sua alma é vaso
Onde o incenso de Deus se afina e apura.
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