domingo, abril 22, 2007

#40 - Além da Linha Vermelha



Além da Linha Vermelha
The Thin Red Line
EUA, 1998
Dir.: Terrence Malick

"Antes de ser um filme de guerra, Além da Linha Vermelha é um filme sobre uma condição existencial, uma cujo nome está tão batido quanto "existencialismo" ou "irracionalismo": é um filme sobre a incomunicabilidade. Do homem para o mundo falta coisa demais: Witt volta para o paraíso melanésio e vê seu povo destruído (os nativos têm medo dos recém-chegados, as crianças têm doenças de pele, os velhos brigam entre si, os crânios dos nativos são guardados como lembranças de guerra...); o soldado Bell, que encontra na esposa o abrigo para um lugar tão hostil, vê seu mundo despencar; o coronel têm vergonha de seu filho por ele trabalhar com vendas e não pegar em armas. A figura que Malick faz do homem em Além da Linha Vermelha é herdeira do modernismo mais belo do século XX. O homem é cindido, existe algo (Deus, o inconsciente, o Estado) que pensa por ele. Esse algo, entretanto, está sempre fora do filme. A solução cinematográfica que Malick dá é perfeitamente adequada: o homem tem de buscar seu destino por si mesmo, para finalmente poder morrer com serenidade. Daí um último plano maravilhoso, tal como inúmeros outros ao longo do filme: em meio à água rasa, um pequeno monte de terra dá vida a uma planta, que não é bonita nem feia, mas que tenta sobreviver apesar de tudo. Esse é o perfil dos homens de Malick. Como o soldado amigo de Witt, que ao reembarcar (possivelmente para outra missão, quem sabe) tem os olhares perdidos ao longe. Sozinho." Ruy Gardnier

#41 - A Doce Vida



A Doce Vida
La Dolce Vita
Itália, 1960
Dir.: Federico Fellini

"(...) o mar em La Dolce Vita está enfurecido. Um peixe enorme, enquadrado em toda a extensão da tela como um quadro de Hironymus Bosch, um monstro que crava seu olho único sobre os 'sobreviventes' de uma 'última orgia', surge então. (...) Esse monstro, ou esse ser primitivo parece retratar a humanidade de hoje, como símbolo de uma já quase total regressão. O mar e seu cúmplice, o vento, abafam a voz do 'anjo': Marcello, não ouvindo o apelo, vai com os outros, levado pela mão por uma companheira de orgia e angústia, ou uma sacerdotisa do mito do último prazer, o que antecede, talvez imediatamente, o abismo e o fim." Antonio Moniz Vianna (crítica incluída no livro Um Filme por Dia, Cia. das Letras)

#42 - Lola Montès



Lola Montès
Lola Montès
França, 1955
Dir.: Max Ophüls

"Lola Montès...n'est qu'un prétexte. Elle n'interesse guère Ophüls : "Ce sont les gens qui l'entourent qui me passionnent". A travers Lola, Ophuls peint le monde tel qu'il le voit : un cercle infini de hasards et de concordances, une succession de tableaux où les couleurs flamboient, symboliques où s'imbriquent les motifs pourpre et or, pour signifier splendeur et scintillement. Le monde tel qu'Ophuls le critique : tout en poudre aux yeux, en spectacle avilissant, en misère ornée de parures sublimes. C'est un film sur l'ivresse et le vertige, qui pointe le dérisoire avec cruauté. Pauvre Lola, prisonnière d'un univers d'escaliers qui ne mènent nulle part et passant de demeure en demeure décorées de magnifiques miroirs qu'elle n'arrive jamais à traverser."

sábado, abril 14, 2007

#43 - Desencanto



Desencanto
Brief Encounter
Inglaterra, 1945
Dir.: David Lean

"It is with this film that Lean announces himself as a poet of the cinema, using the imagery of shadowy subway passages and platforms lit by sudden bursts of harsh light from passing trains to convey the atmosphere of Alec and Laura's illicit liaison. The small town locations (actually Beaconsfield, near to Denham where most of the film was shot) are beautifully used, both to suggest Laura's real world and how her love for Alec makes her see familiar surroundings in a new light." Janet Moat

sábado, abril 07, 2007

Tomé, o incrédulo



Tomé, o incrédulo
Michelangelo Merisi da Caravaggio, 1602

sexta-feira, abril 06, 2007

Sermão sobre o jejum

O que pode ser mais eficaz do que o jejum? Por sua observância nos aproximamos de Deus e, resistindo ao diabo, triunfamos da sedução dos vícios. O jejum sempre foi um alimento para a virtude. Da abstinência, enfim, procedem os pensamentos castos, a vontade reta, conselhos saudáveis; e pela mortificação voluntária do corpo, damos morte à concupiscência da carne, renovando o espírito pela prática das virtudes.

Mas como a salvação de nossas almas não é conquistada apenas pelo jejum, completemo-lo pela misericórdia para com os pobres. Seja abundante em generosidade o que retiramos ao prazer; que a abstinência dos que jejuam reverta para o alimento dos pobres. Pensemos na defesa das viúvas, no socorro dos órfãos, na consolação dos que choram, na paz aos revoltosos. Que o peregrino seja recebido, que o oprimido seja ajudado, que o nu seja vestido, que o doente seja curado, a fim de que, todos os que oferecerem o sacrifício de nossa piedade, por estas boas obras, a Deus, autor de todos estes bens, mereçam receber Dele, o prêmio do Reino Celeste.

Sermão sobre o jejum, de São Leão Magno.

quinta-feira, abril 05, 2007

Idealmente feliz

(...)
Escute: estou idealmente feliz. Minha felicidade é uma espécie de desafio. Ao vagar pelas ruas, pelas praças, pelos caminhos ao longo do canal, sentindo distraidamente os lábios da umidade através de minhas solas gastas, carrego com orgulho essa felicidade inefável. Os séculos hão de desfilar, os estudantes bocejarão lendo a história de nossos cataclismos; tudo passará, mas minha felicidade, querida, minha felicidade irá permanecer, no reflexo úmido de um lampião, na curva cautelosa dos degraus de pedra que descem até as águas negras do canal, nos sorrisos dos pares a dançar, em tudo aquilo com que Deus circunda tão generosamente a solidão humana.

A Carta que Nunca Chegou à Rússia (Detalhes de um Pôr-do-Sol - Details of a Sunset and other stories), de Vladimir Nabokov. Trad. Jorio Dauster. Companhia das Letras.

Na pedra dum sepulcro

Lágrimas sem dor - e dor com lágrimas
Gonçalves Dias

Sumiu-se além o sol envolto em raios,
E do lado fronteiro a branca lua
Levanta a fronte pálida entre montes,
E nas águas do límpido regato
Estampa a face inteira.

E eu irei sentar-me junto às margens
Do límpido regato;
Irei cismar sozinho, a sós co'a noite,
Nas minhas penas cruas.

Quero sentir da tarde o fresco orvalho
Nos meus cabelos;
Quero escutar nas folhas o sussurro
Da mansa brisa;

Quero escutar o som da linfa clara
Por sobre as pedras;
Quero escutar do pássaro o gemido
De sob as ramas;

Quero vê-la também, que há tempos ando
Cismando nela,
Que há tempos sempre a encontro triste e muda
Junto à ribeira.

Ei-la sentada ali entre os salgueiros,
Pálida a fronte,
Loiros cabelos sobre a testa ebúrnea
Cândida a veste.

Anjo - encanto - mulher, que és tu na terra?
Quem n'alma te gravou cismar tão triste?
Tão triste palidez quem te há gravado
No semblante formoso?

Oh! se minha alma aflita inda prazeres
Sentir pudesse - se inda amar pudesse,
Se os meus olhos pisados não vertessem
A fio agora corrente;

Anjo - encanto - mulher, foras meu nume,
Foras meu sangue, meu prazer, minha alma,
Minha estrela d'amor, meu anjo e vida,
Pensamento e querer.

Na flor da mocidade, quando a vida
Por entre flores, recendendo aromas,
Risonha e festival, sem medo corre
D'agoireiro futuro;

Por que em vez de nutrir brandos amores
Definhas sem brilhar em festa, em jogos,
Sem um meigo sorrir nos curtos lábios,
Sem cor nas alvas faces?

Anjo - encanto - mulher, por que o teu pranto
Corre agora espontâneo sobre as águas
Do límpido regato, como lágrimas
De náiade gentil?

Por que choras assim? - Traída amante,
Vens de enganado amor as penas cruas
Curtir na soledade?
Mas quem tão negro feito perpretara?
Quem há que, se os teus olhos lhe sorrissem,
Não morrera de amores?

Não o fizera, não, - que tal façanha
Não a faz coração d'homem, que sente,
Que vê tais graças;
Que visse uma só vez, qual vejo agora,
Co'as estrelas do céu pleitear brilho
Teus olhos tão mimosos.

Morreu-te acaso a mãe? - Erma e sozinha,
Vens d'amor filial durante a noite
Pagar tributo amargo?
Mas ei-la que ali vem, terna, ansiada
Por te ver, por te ouvir, por esse pranto
Secar co'um doce beijo.

Ah! chora sempre e sempre; - corre o pranto
Espontâneo e fagueiro nessa idade,
Como orvalho da noite;
Enquanto o mau blasfema, o bom soluça,
Alma do céu, folga em chorar sozinha
Neste exílio da terra.

Ah! chora sempre e sempre, que esse pranto
No seio maternal hoje se entorna,
Que não em terra sáfara;
Doido por muito amar, por ser amado,
Gentil mancebo há de amanhã sorver-t'o
Num ósculo de amor.

Mas eu quando em silêncio as fontes abro
Deste meu coração, embalde os lábios
- Donzela ou mãe - soluçam;
Pelo meu rosto em fio se desliza
Meu triste pranto, e alvíssimo se expande
Na pedra dum sepulcro.

Trop près des cieux

(...)
Augustine mit un doigt sur ses lèvres pâlies, comme pour implorer de sa mère un moment de silence. Pendant cette terrible nuit, le malheur lui avait fait trouver cette patiente résignation qui, chez les mères et chez les femmes aimantes, surpasse, dans ses effets, l'énergie humaine et révèle peut-être dans le coeur des femmes l'existence de certaines cordes que Dieu a refusées à l'homme.
Une inscription gravée sur un cippe du cimetière Montmartre indiquait que madame de Sommervieux était morte à vingt-sept ans. Un poète, ami de cette timide créature, voyait, dans les simples lignes de son épitaphe, la dernière scène d'un drame. Chaque année, au jour solennel du 2 novembre, il ne passait jamais devant ce jeune marbre sans se demander s'il ne fallait pas des femmes plus fortes que ne l'était Augustine pour les puissantes étreintes du génie.
- Les humbles et modestes fleurs, écloses dans les vallées, meurent peut-être, se disait-il, quand elles sont transplantées trop près des cieux, aux régions où se forment les orages, où le soleil est brûlant.


La Maison du Chat-qui-Pelote (La Comédie Humaine - Études de Moeurs - Scènes de la Vie Privée), de Honoré de Balzac