quinta-feira, abril 05, 2007

Na pedra dum sepulcro

Lágrimas sem dor - e dor com lágrimas
Gonçalves Dias

Sumiu-se além o sol envolto em raios,
E do lado fronteiro a branca lua
Levanta a fronte pálida entre montes,
E nas águas do límpido regato
Estampa a face inteira.

E eu irei sentar-me junto às margens
Do límpido regato;
Irei cismar sozinho, a sós co'a noite,
Nas minhas penas cruas.

Quero sentir da tarde o fresco orvalho
Nos meus cabelos;
Quero escutar nas folhas o sussurro
Da mansa brisa;

Quero escutar o som da linfa clara
Por sobre as pedras;
Quero escutar do pássaro o gemido
De sob as ramas;

Quero vê-la também, que há tempos ando
Cismando nela,
Que há tempos sempre a encontro triste e muda
Junto à ribeira.

Ei-la sentada ali entre os salgueiros,
Pálida a fronte,
Loiros cabelos sobre a testa ebúrnea
Cândida a veste.

Anjo - encanto - mulher, que és tu na terra?
Quem n'alma te gravou cismar tão triste?
Tão triste palidez quem te há gravado
No semblante formoso?

Oh! se minha alma aflita inda prazeres
Sentir pudesse - se inda amar pudesse,
Se os meus olhos pisados não vertessem
A fio agora corrente;

Anjo - encanto - mulher, foras meu nume,
Foras meu sangue, meu prazer, minha alma,
Minha estrela d'amor, meu anjo e vida,
Pensamento e querer.

Na flor da mocidade, quando a vida
Por entre flores, recendendo aromas,
Risonha e festival, sem medo corre
D'agoireiro futuro;

Por que em vez de nutrir brandos amores
Definhas sem brilhar em festa, em jogos,
Sem um meigo sorrir nos curtos lábios,
Sem cor nas alvas faces?

Anjo - encanto - mulher, por que o teu pranto
Corre agora espontâneo sobre as águas
Do límpido regato, como lágrimas
De náiade gentil?

Por que choras assim? - Traída amante,
Vens de enganado amor as penas cruas
Curtir na soledade?
Mas quem tão negro feito perpretara?
Quem há que, se os teus olhos lhe sorrissem,
Não morrera de amores?

Não o fizera, não, - que tal façanha
Não a faz coração d'homem, que sente,
Que vê tais graças;
Que visse uma só vez, qual vejo agora,
Co'as estrelas do céu pleitear brilho
Teus olhos tão mimosos.

Morreu-te acaso a mãe? - Erma e sozinha,
Vens d'amor filial durante a noite
Pagar tributo amargo?
Mas ei-la que ali vem, terna, ansiada
Por te ver, por te ouvir, por esse pranto
Secar co'um doce beijo.

Ah! chora sempre e sempre; - corre o pranto
Espontâneo e fagueiro nessa idade,
Como orvalho da noite;
Enquanto o mau blasfema, o bom soluça,
Alma do céu, folga em chorar sozinha
Neste exílio da terra.

Ah! chora sempre e sempre, que esse pranto
No seio maternal hoje se entorna,
Que não em terra sáfara;
Doido por muito amar, por ser amado,
Gentil mancebo há de amanhã sorver-t'o
Num ósculo de amor.

Mas eu quando em silêncio as fontes abro
Deste meu coração, embalde os lábios
- Donzela ou mãe - soluçam;
Pelo meu rosto em fio se desliza
Meu triste pranto, e alvíssimo se expande
Na pedra dum sepulcro.

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